Os cristãos comem criancinhas?
Acho que, em parte, devemos também ao cristianismo o fato de hoje o
mundo parecer menos desumano,
sádico e violento do que no passado.
Por dois mil anos, milhões de crentes
tentaram de todas as maneiras
testemunhar a palavra de paz e
amor que Jesus pregava. Viam-se crentes nas
cabeceiras dos doentes,
recolhendo órfãos pelas ruas, curando os feridos depois
das batalhas e saques.
Havia cristãos, como São Francisco,
que davam casa e conforto aos que
eram devorados pela lepra e
comida a quem morria de fome. E muitos como ele
atravessaram as linhas de frente
das batalhas para promover a paz entre os
exércitos. Existiam muitos fiéis
que socorriam os sobreviventes das inundações, dos
terremotos, das fomes. Havia
ainda cristãos que tentavam impor um limite à
brutalidade contra os escravos e
servos da gleba oprimidos pelos possessores.
Existiram cristãos que se
expuseram abertamente a fim de obter a graça para um
inocente condenado sem provas,
apenas por fanatismo religioso.
Viram-se sacerdotes que construíram
comunidades de índios e morreram
com eles quando os conquistadores
católicos decidiram que se agrupar em
comunidades igualitárias e não
pagar impostos constituía um crime contra Deus e
a Coroa. Existiram sacerdotes que
fundaram cooperativas e escolas para
trabalhadores, que organizaram
caixas de assistência mútua e ajudaram judeus e
ciganos perseguidos a fugir...
Mas essas pessoas, que por dois milênios contribuíram
enormemente para melhorar a
condição humana e civil dos mais fracos,
raramente faziam parte dos
vértices da Igreja.
Como aconteceu com todas as
religiões do mundo que se tornaram
"cultos do Estado", os
centros de poder das principais igrejas cristãs foram
conquistados por indivíduos
inescrupulosos e maliciosos, dispostos a usar a fé e o
misticismo com o único objetivo
de obter riqueza e autoridade.
É claro que não se pode generalizar:
existiram homens religiosos com
grandes incumbências na esfera
eclesiástica, que agiram com justiça e notável
honestidade, e que sobretudo eram
partidários -- colocando em risco até mesmo
a própria vida -- do direito à
dignidade e à sobrevivência dos pobres, golpeando,
com palavras e atos concretos,
"os ricos bem nutridos e poderosos, inimigos de
Cristo e dos homens" (de uma
homilia de Santo Ambrósio). Mas também é
verdade que, por séculos, os
papas continuaram vendendo os cargos religiosos a
quem oferecia mais, e para ser
ordenado bispo bastava pagar, não era
necessário nem ser padre. Por
dinheiro, Júlio II consagrou cardeal um rapazinho de
16 anos. Assim, no final das
contas, muitos enganadores conseguiram até chegar a
ser eleitos papas e macularam
suas vidas com crimes horrendos.
O papa Woityla pediu perdão a Deus
pelos pecados cometidos no
passado por aqueles que
representavam a ou pertenciam à Igreja. Mas, por maior
que seja a lista dos atos
nefastos cometidos, não podemos pretender que ela seja
exaustiva.
Então, demo-nos o trabalho de reunir
o maior número de documentos
que produzam uma idéia menos vaga
do "pecado" que maculou a Igreja. Ao
realizar esta pesquisa,
deparamo-nos com um quadro de traços chocantes,
povoado com um número
inacreditável de episódios por vezes grotescos, mas
sempre trágicos.
As histórias que contaremos não se
encontram em todos os livros. Ao
contrário, os textos que narram
esses fatos (salvo raras exceções) foram colocados
no limbo por especialistas.
Mas por que embarcamos em tal
aventura? Decerto, não por um
anticlericalismo doentio. Hoje,
até mesmo no clero inaugurou-se um debate muito
fértil sobre a pesquisa histórica
do percurso das religiões. Em toda parte, nascem
grupos de fiéis que tentam pôr em
prática a palavra de Jesus e constroem
solidariedade, liberdade, paz,
superando obstáculos que ainda se interpõem à
criação de um mundo onde a vida
anterior à morte também seja digna de ser
vivida. Mas, para que essa
renovação seja profícua, é indispensável mergulhar
profundamente no clima histórico,
político e religioso que determinou o sacrifício
de tantos mártires, vítimas da
parte corrupta e autoritária do clero, muitas vezes
com o auxílio dos grupos no
poder.
Aquela consciência e aquela cultura,
capazes de impedir que tais
horrores se repitam, só podem ser
construídas por meio da análise e do
discernimento da natureza e
gravidade dos abusos.
Este livro é dedicado a todos os
cristãos e aos homens de boa vontade
das outras crenças. Também é
dedicado aos ateus, que, exatamente por não
acreditarem, têm a obrigação
moral de possuir um profundo senso religioso da
vida.
Jesus amava as mulheres
Jesus pregava o amor, a fraternidade
e a piedade em uma época em
que esses sentimentos muitas
vezes eram considerados infames sinais de fraqueza.
Os Evangelhos nos contam que,
dentre seus mais estimados seguidores, na
primeira fila estavam as
mulheres. Os evangelistas também narram como Jesus
desprezava a riqueza e condenava
veementemente aqueles que tentavam fazer
da fé uma mercadoria.
Esta filosofia rapidamente colocou
os cristãos contra a cultura e os
poderosos da época, e as
perseguições logo começaram. Mas apenas três
séculos após a crucificação do
Messias, o cristianismo se tornou a religião oficial do
Império Romano, o que significa
que nenhum súdito podia professar outra crença,
sob pena de cruel perseguição e,
muitas vezes, o patíbulo.
Como é possível que o mesmo Império
que crucificara Jesus tenha
decidido que o cristianismo seria
a religião do Estado apenas trezentos anos
depois? É um salto abissal.
Para entender isso, é preciso
analisar algumas características do Império
Romano.
A escola encheu nossas cabeças de
histórias sobre generais geniais e
legisladores brilhantes. Mas Roma
também era outra coisa. As mulheres eram
consideradas animais de
propriedade dos pais e maridos, que tinham o direito de
bater nelas e matá-las. Uma
mulher romana digna era aquela que, assediada por
um malfeitor, tirava a própria
vida. Não tanto para salvar a própria honra, mas
para glorificar a do marido.
As crianças, na escola, conheciam
bem o chicote e os professores
tinham exemplares de várias
formas e tamanhos pendurados na sala de aula.
Como acontece ainda hoje em alguns
lugares do planeta, em Roma,
também, os bebês recém-nascidos
do sexo feminino muitas vezes eram sufocados
ou abandonados. As recém-nascidas
abandonadas com mais sorte, muitas vezes,
eram pegas por vendedores de
escravos, que as criavam e, aos 5 ou 6 anos,
começavam a prostituí-las.
Júlio César não pode, no entanto,
ser considerado o inventor do
extermínio em massa -- antes
dele, conhecemos outros matadores extraordinários
(hititas, assírios, babilônios)
--, mas o divino Júlio com certeza pode ser eleito o
aperfeiçoador emérito do
genocídio organizado. Em De Bello Gallico, explica
como organizou e lançou a horda
de bandidos gauleses e germânicos contra o
povo eburone, culpado de não
querer se sujeitar ao Império, oferecendo aos
criminosos asilo e proteção em
seus acampamentos fortificados. O futuro
imperador depois narra, com certo
prazer, como conseguiu aplicar toda espécie
de infâmias, traições e
armadilhas, até eliminar definitivamente da face da Terra a
raça dos eburones. Foi o primeiro
comandante a matar todos os habitantes de
uma cidade, incluindo crianças,
para puni-los por ter resistido2 (Moisés, pelo
menos, depois de conquistar a
cidade de Madian, poupou as mulheres virgens).3
Por séculos, os romanos se
divertiram vendo prisioneiros de guerra
lutando entre si nos circos. Em
um único mês, o imperador Diocleciano fez
quarenta mil homens se matarem no
Coliseu, mais de mil por dia, enquanto uma
multidão exaltada bebia vinho
misturado com mel e chumbo, fumava ópio, fazia
negócios e copulava com
prostitutas e prostitutos, na maioria pré-adolescentes. A
quantidade de sangue e de órgãos
esquartejados não os incomodava e em parte
era coberta pelo fedor de vômito,
já que os romanos, para continuar se enchendo
de comida e bebida, tinham o
hábito de enfiar dois dedos na garganta para
vomitar o que acabavam de ingerir.
O cristianismo fora maltratado
cruelmente e sofria havia mais de um
século as perseguições do poder
imperial. Os cristãos eram arrastados até as
arenas, onde eram massacrados
entre os gritos e as risadas de uma multidão de
apaixonados pelo genocídio
lúdico. Então, de repente, os perseguidores se
tornam paladinos da Igreja.
Teologia, rituais, interpretações do Evangelho são
cuidadosamente transformados e
adaptados à linguagem e ao pensamento do
poder romano. O cristianismo não
redime quem havia martirizado os primeiros
cristãos, e sim se limita a
servir a eles.
As histórias sobre as conversões dos
imperadores quase sempre são feitos
colossais. Constantino é aquele
que adota o cristianismo como religião oficial do
Império. O mesmo imperador que
mandou matar o próprio filho, a mulher, o sogro
e o cunhado. Reza a lenda que
Jesus apareceu para ele e lhe prometeu vitória na
batalha em troca da adoção do
cristianismo como única religião do "mundo
civilizado" e do uso do
símbolo da cruz, alçado de forma triunfante na batalha.
Naturalmente, nem todos os
seguidores de Jesus concordaram com esse pacto,
que implicava uma verdadeira
renúncia aos valores cristãos fundamentais. E,
então, um dos primeiros gestos
cristãos de Constantino foi perseguir todos os
cristãos que seguiam o Evangelho
literalmente e, assim, forçosamente, estavam
em conflito com os devotos do
poder. Um sem-número deles foi morto, outros
tantos acabaram no exílio,
desprovidos de qualquer bem, outros foram reduzidos à
escravidão.
Lutas fratricidas
Os primeiros séculos do cristianismo
são marcados por contínuas
investidas contra os cristãos que
não aceitaram os ajustes e as interpretações dos
ditames do Filho de Deus. A elas
se alternam lutas pela divisão do poder entre
papas e imperadores, papas e
antipapas, papas e bispos, bispos e bispos, em uma
sucessão de conspirações, cismas
e lutas que não excluíam a força física. É quase
impossível reunir todos os
acontecimentos sanguinários que primeiro assolaram a
Europa e, depois, o mundo, e que
nasceram de conflitos pelo poder nos quais a
Igreja se interpôs entre as
forças combatentes. Milhões de pequenas conspirações,
guerrinhas e ameaças que ninguém
nunca contou.
Limitamo-nos a citar os eventos mais
importantes, mas
confiamos na imaginação do leitor
para completar o quadro da situação da fé
naquela época. Os níveis máximos
de fúria eram atingidos exatamente quando se
devia sufocar o renascimento das
idéias originais de Jesus. Elas nunca deixaram de
acordar as pessoas para a
dignidade e a celebração do valor coletivo do amor
cristão.
O que testemunha esse poder extraordinário
da palavra de Jesus é o
surgimento, durante séculos após
seus ensinamentos, das incríveis utopias sociais e
comunitárias, que funcionavam
muito bem até a chegada dos soldados do papa
e do imperador, excepcionalmente
reunidos para massacrar os cristãos que viviam
em comunidade, sem autoridade ou
impostos.
No
ano de 476,
o Império Romano
do Ocidente, há
tempos já
corrompido e devastado pelas
lutas de poder, deixa de existir até oficialmente. Os
"bárbaros" zinhos,
confiantes em seu valor em sua homogeneidade social, chegam
em ondas, mas logo são
arrebatados pela febre da traição e da desconfiança.
Nenhum império resiste muito
tempo.
Mas entre as lutas religiosas e
políticas, amplificadas pelas invasões
"bárbaras", pode
acontecer que um rei traído por seus súditos e abandonado
pelos mercenários decorra aos
camponeses, oferecendo a eles liberdade e a
propriedade da terra, e obtendo
em troca exércitos invencíveis.4 O envolvimento
dos camponeses na política, a
explosão do artesanato, das manufaturas, da
cultura dos ofícios e da invenção
de novas técnicas levam o povo a amadurecer
uma idéia mais digna de si
próprio e um senso de justiça mais profundo.
Assim, por volta do ano mil, este
novo modo de conceber e viver o
mundo se funde ao que resta das
idéias do cristianismo primitivo. Desenvolvem-se
movimentos que unem a idéia do
retorno ao cristianismo puro e a vontade de
organizar uma sociedade sem rei,
generais ou escravidão. Basicamente, a
população dos fracos começa a se
rebelar contra o poder sagrado e abençoado
dos nobres patrões, inspirados
pelo indispensável clero. Eles também descobrem
que os poderosos, como guerreiros
profissionais, não são muito valorosos: os
artesãos e camponeses reunidos na
comuna, armados de lanças e bem treinados,
muitas vezes conseguem abatê-los
como a fantoches.
Hereges
E já que os nobres não servem para
nada, por que não se livrar deles? E
para que servem os padres, que
muitas vezes são bispos e condes ao mesmo
tempo? Ninguém mais acredita na
santidade deles, já que, sob as vistas de todos,
cometem todo tipo de pecado.
E assim nasce a idéia de que os
sacramentos, se administrados por
pessoas indignas, não têm nenhum
valor. "Ignorem o indigno exemplo deles", grita
logo um teólogo "sigam o que
dizem os ministros de Deus, não o que eles fazem".
No século X, começam a nascer em toda
a Europa grupos de fiéis que
pregam e aplicam a comunidade do
bem, a fraternidade, e recusam a
autoridade eclesiástica. Combatendo
esses movimentos, as
hierarquias
eclesiásticas e nobres (que
muitas vezes são a mesma coisa) se organizam para
exterminar os habitantes de
regiões inteiras, condenando os sobreviventes ao
suplício público. No ápice dessa
perseguição, muitas pessoas são torturadas e
assassinadas de formas horrendas
apenas por terem apoiado a tese de que Jesus
e os apóstolos não possuíam
riquezas ou bens materiais. O mero fato de ter uma
Bíblia em casa já bastava para
levantar as suspeitas de se ser um inimigo da Igreja.
Se essa Bíblia ainda fosse
traduzida para o latim vulgar, ou seja, uma língua
entendida pelo povo, e não
tivesse autorização, a condenação por heresia era
certa.
Os
cristãos comunitários queriam
se inspirar no
Evangelho, sem
intermediários. E muitas, muitas
vezes, pagaram por isso com a própria vida. Um
martírio que enfraquece aquele
dos primeiros cristãos sob o Império Romano.
Contra os hereges, em dado momento,
chegou a ser inventado um
instrumento repreensivo de
perfeição diabólica: a Inquisição. Os inquisidores eram,
ao mesmo tempo, policiais,
carcereiros, acusadores e juízes. Qualquer besteira já
era suficiente para acabar em
suas garras: um boato, uma carta anônima, um
comportamento ligeiramente
diferente do normal. Até ser devoto demais era
considerado comportamento
duvidoso. O suspeito era considerado culpado se
não conseguisse provar a própria
inocência. E quem testemunhava em favor de
um suposto herege podia, por sua
vez, tornar-se suspeito e sofrer um processo. Na
verdade, as perseguições aos
hereges começam logo depois da criação da
Igreja de Estado e terminam no
século XVIII, com as últimas ondas de caça às
bruxas. As histórias dos
processos e das perseguições realizadas pela organização
eclesiástica e pelo "Santo
Tribunal" são tão absurdas e contraditórias que não nos
permitem nenhuma análise
verossímil. É impossível fazer um balanço confiável
dessas guerras e perseguições, e
decerto milhões de pessoas foram assassinadas
em mais de mil anos de crueldade
desumana.
Os exércitos cristãos
E, como se não bastasse, foram os
papas que ordenaram as Cruzadas e,
posteriormente, a colonização das
"terras novas" e os massacres que se
sucederam.
Mas vejamos em ordem. Primeiro, foram
as tentativas de invadir a
Palestina, o Líbano e a Síria,
com o pretexto de libertar o Santo Sepulcro. Em Storici
arabi alle crociate,5 Gabrieli
reúne os testemunhos de vários cronistas medievais no
Oriente Médio. Por meio dessas
declarações, pudemos saber que, até depois da
metade do século XII, ou seja,
antes do começo das invasões dos franco-cruzados,
milhares de cristãos visitavam
livremente a Palestina e todos os lugares onde Jesus
Cristo vivera e pregara. As
Cruzadas foram um projeto criminoso em todos os
aspectos, e, mal nos questionamos
sobre a sucessão de fatos que levaram à Terra
Santa turbas desenfreadas aos
gritos de "Assim quer Deus!", finalmente vemos
aflorar a real motivação da
campanha que levou São Francisco a tal indignação
a ponto de exclamar: "Vim
converter os infiéis e descobri que os que precisam de
fé e noção de piedade não são os
guerreiros muçulmanos, mas os soldados de
Cristo e, antes de mais nada, os
bispos que os conduzem!".6 Além do mais, os
"exércitos de Deus"
talvez tenham matado mais cristãos do que infiéis. Os exércitos
cristãos que se dirigiam à
Palestina tinham um longo caminho a percorrer, sem
provisões ou acampamentos
organizados. Portanto, tinham como costume obter o
que precisavam saqueando as
cidades cristãs pelas quais passavam durante a
viagem. Por exemplo, a famosa
"Cruzada dos Mendigos", em 1096, que causou o
massacre de quatro mil pessoas
apenas na cidade húngara de Zemun.
No mesmo ano, o contingente guiado
pelo nobre alemão Gottschalck
trucidou mais de dez mil pessoas
culpadas de terem-se deixado dominar pelos
saques. Alguns homens partiram
para as Cruzadas seguindo os passos de um pato!
Estes devotos acabaram se unindo
a uma Cruzada guiada por um ilustre salteador
chamado Emich, que nunca chegou à
Terra Santa, limitando-se a um tour durante
o qual massacrou milhares de
judeus, espoliando-os de seus bens.
Mas outros cruzados, que participaram
de expedições seguintes,
também decidiram se preparar para
a guerra contra os infiéis muçulmanos
começando a massacrar infiéis
judeus desarmados. Em 1212, trinta mil meninos da
Europa Central partiram para as
Cruzadas sozinhos e sem armas. A maior parte
desse "exército"
embarcou em Marselha acreditando partir para libertar o Santo
Sepulcro. Em vez disso, os
garotos (pelo menos os que sobreviveram aos
contratempos da viagem) foram
vendidos aos turcos como escravos.
A Quarta Cruzada, realizada em 1202,
operou uma pequena
devastação e, em vez de ir até a
Terra Santa, tomou de assalto a perfeitamente
cristã Constantinopla,
conquistada por meio de saques
e do massacre
da
população. No final das contas,
quem ganhou com as Cruzadas, com certeza,
não foram os soldados e seus
capitães, e sim os mercadores das Repúblicas
Marítimas italianas e a Igreja de
Roma.
A volta das Cruzadas também foi uma
aventura trágica. Os cruzados
muitas vezes tinham que entregar
aos transportadores todo o fruto de seus saques
e roubos.
Sabe-se, também, que os cruzados, até pela
forma como eram
recrutados, não eram brilhantes
em termos de disciplina e organização. Seus
acampamentos eram erguidos sem
nenhum cuidado estrutural. Em poucas
palavras, eles não tinham áreas
de higiene, não existiam enfermarias nem médicos
organizados, e a cada chuva as
barracas eram inevitavelmente carregadas pelas
águas misturadas à urina e ao
estéreo. Resumindo: Deus não estava com eles e os
castigou matando vários de
cólera, infecção gastrointestinal e doenças venéreas
locais e exóticas. A propósito,
não podemos esquecer a grande quantidade de
prostitutas que seguiam o
exército. A isso acrescentemos o fato de que os
cruzados não costumavam tomar
mais do que dois banhos por ano e muitos
fizeram a promessa de não tomar
banho até a libertação do Santo Sepulcro.
Ignorando as leis alimentares dos
povos que já viviam há anos naquele
clima, enchiam-se de carnes de
porco assada ou salgada e se embebedavam da
manhã até a noite. O resultado
foi que, às epidemias normais em voga,
acrescentaram-se outras ainda
mais devastadoras. Além disso, como já
lembramos, os
pobres coitados eram
tratados por médicos e cirurgiões cuja
ignorância só se igualava a seu
fanatismo. O resultado era que ser ferido em
batalha ou contrair uma doença
grave garantia, depois do tratamento médico, a
certeza da morte inevitável.
Sobre esse assunto, transcrevemos o
comentário de um médico oriental
cristão durante a consulta de um
cavaleiro ferido e de uma mulher doente:
...Apresentaram-me um cavaleiro que
tinha um abscesso em uma perna
e uma dona aflita pelo
definhamento. Fiz um emplastro no cavaleiro, e o abscesso
abriu e melhorou; prescrevi uma
dieta para a mulher, com pouco tempero.
Quando eis que chegou um médico
franco, que disse: "Esse aí não sabe curar
ninguém". E, dirigindo-se ao
cavaleiro, perguntou: "O que prefere, viver com uma
só perna ou morrer com duas
pernas?" Tendo este respondido que preferia viver
com uma só perna, ordenou:
"Tragam-me um cavaleiro corajoso e um machado
afiado". Chegaram o
cavaleiro e o machado, e eu estava ali presente. O médico
colocou a perna sobre um pedaço
de madeira e disse ao cavaleiro: "Desça-lhe
uma machadada, para cortar de
pronto!" E, diante de meus olhos, deu a primeira
machadada e, não conseguindo
arrancar a perna, deu a segunda; a medula da
perna jorrou e o paciente morreu
na hora. Após examinar a mulher, ele disse: "Essa
aí tem o demônio na cabeça,
apaixonado por ela. Cortem-lhe os cabelos",. Foram
cortados, e ela voltou a comer o
alimento deles, com alho e mostarda, e o
definhamento aumentou. "O
diabo entrou na cabeça dela", sentenciou ele, e
pegou a navalha e abriu a cabeça
dela em forma de cruz, extirpando o cérebro
até aparecer o osso da cabeça, no
qual esfregou sal... e a mulher morreu na
mesma hora. Naquele momento,
perguntei: "Ainda precisam de mim?"
Responderam que não e fui embora,
depois de aprender o que ignorava da
medicina deles.
Acrescente-se a isso o fato de que
muitos cruzados eram aventureiros
dispostos a entregar armas e
provisões ao inimigo em troca de dinheiro, a vender
a mulher para pagar dívidas de
jogo, a trucidar companheiros para derrubá-los.
Muitos foram obrigados a partir
para a Palestina, mais do que por um rompante de
fé, pela lâmina que pendia sobre
suas cabeças junto com uma sentença de
enforcamento.
E as suas não eram cabeças quaisquer.
Muitas vezes, tratava-se de
nobres falidos e ambiciosos que
tinham como único objetivo a riqueza pessoal e
que não se detinham diante a
nenhuma torpeza desde que concretizassem seus
intentos. Viram-se batalhas entre
exércitos de cruzados rivais pela posse de uma
cidade, alianças entre príncipes
cristãos e emires turcos. Muitos nobres cruzados
permitiram que seus companheiros
de armas fossem trucidados sem levantar um
dedo, por questões de rivalidade.
O modelo das cruzadas tinha feito
escola. E, assim, quando o papa
Inocêncio III decidiu deter a
heresia catara e valdense, decretou em 1209 uma
verdadeira cruzada no sul da
França, que durou vinte anos e massacrou dezenas
de milhares de pessoas. Os
cátaros eram culpados de propagar uma vida
comunitária pacífica e solidária,
respeitando os ensinamentos de Jesus e
recusando-se a reconhecer "o
poder por vontade de Deus" da Igreja. O
pontificado de Inocêncio III
marca também o auge do poder temporal do
papado. O papa passava a ser um
soberano para todos os efeitos, e o Estado da
Igreja torna-se uma verdadeira
potência européia. Como todos os soberanos, o
bispo de Roma possuía territórios
e exércitos, declarava guerra e realizava
alianças. Vários reinos se
reconheciam como vassalos da Santa Sé e pagavam
conspícuos tributos a Roma.
Além disso, o papa utilizava o
próprio poder espiritual para orientar a
política dos Estados a ele
alinhados. Se um rei era excomungado, perdia
automaticamente o direito de
cobrar obediência dos súditos e vassalos. Pode-se
concluir, assim, que os soberanos
cristãos pensavam duas vezes antes de pisar no
pé da Santa Sé. Em suma, o papado
acolheu por completo a herança criminosa
do Império Romano. Houve até um
papa, Júlio II, que encomendou uma
armadura para conduzir seus
próprios exércitos nas batalhas.
A Igreja escravista
Chegando a este ponto, a Igreja,
faminta por expansão, passou a
dedicar-se às conquistas
coloniais. São os sacerdotes os primeiros colonizadores da
África negra. Encontramos padres,
ao lado dos conquistadores espanhóis, que
massacraram os índios da América.
Foram os padres que organizaram o comércio
de escravos.
Na verdade, foi o próprio Estado da
Igreja que ordenou, em 1344, a
conquista das Ilhas Canárias. E,
provavelmente, foi o bispo De Las Casas, após a
conquista da América, que sugeriu
que os indígenas, que não suportavam o
trabalho massacrante e as doenças
levadas pelos colonos, fossem substituídos por
africanos.8 Assim, desde o início
de 1500, os missionários da África começaram a
organizar a exportação de
escravos para a América, equipando os navios
"missionários" para tal
fim. Fala-se de dezenas de milhões de ameríndios mortos em
batalha ou aprisionados,
exterminados por doenças e pelo cansaço. O desastre
foi tamanho que se calcula que,
só no México, a população tenha passado de 25
milhões de índios, em 1520, a
menos de um milhão e meio em 1595.
Calcular o massacre ocorrido com o
comércio de escravos é
impensável. Fala-se de pelo menos
vinte milhões de pessoas levadas para a
América. A expectativa de vida
delas, a partir do momento do desembarque, era
de sete anos. Mas, para cada
negro que chegava à América como escravo, nove
prisioneiros morriam durante a
captura, a viagem até o porto de embarque ou a
travessia.' Portanto, pode-se
falar em 190 milhões de mortos. Mas a conta é bem
mais dramática: as contínuas
incursões dos escravistas por quase trezentos anos
destruíram a economia de vastas
áreas da África, privando populações inteiras de
sua melhor mão-de-obra, o que fez
milhões de pessoas morrerem de fome,
epidemias e exaustão. Era
possível percorrer centenas de quilômetros em meio às
ruínas do que um dia foram
civilizações brilhantes e culturalmente evoluídas e não
encontrar um único sobrevivente,
apenas ossos que brilhavam sob o sol.
O horror do colonialismo teve nos
missionários seus mais ferozes
defensores. Estes se dedicaram a
extirpar as religiões tradicionais dos povos
subjugados com a violência e a
tortura. Chegaram até a impedir que as crianças
falassem sua língua-mãe,
punindo-as com castigos corporais.
E para entender como os padres brancos
podiam ser desumanos, basta
lembrar que muitas vezes eram
enviados às missões sacerdotes manchados por
crimes graves e que eram
considerados indignos para realizar seu ofício na Europa.
Eles abençoaram todas as formas
mais infames de apartheid. Em muitos países da
África, por exemplo, os negros
eram proibidos de comercializar com os brancos ou
de cultivar hortaliças ou cereais
nas áreas em que a monocultura dos latifundiários
brancos era obrigatória. Plantar
abóboras custava uma das mãos na primeira vez,
um pé na segunda e, na terceira,
a cabeça. A razão de tanta brutalidade era
simples: assim, os nativos eram
obrigados a se dedicar à monocultura e a vender
seu produto aos patrões brancos
em troca de comida. Então, se quisessem
sobreviver, teriam de vender aos
brancos sem poder discutir o preço. Ou
aceitavam ou morriam. E se
analisarmos as condições em que muitos países do
Terceiro Mundo se encontram hoje,
não poderemos deixar de ver, na miséria e na
violência atuais, a marca de
séculos de exploração. Na escola, não aprendemos
nada sobre o colonialismo e o
papel da Igreja nele.
Os ingleses, por exemplo,
especializaram-se no tráfico de drogas,
vendendo enormes quantidades de
ópio à China. Por três vezes, o imperador
chinês proibiu este comércio e,
por três vezes, canhoneiros ingleses
bombardearam os portos chineses
para impor sua liberdade de vender droga.
Foram as famosas Guerras do Ópio:
em 1848, em 1856 e em 1858. E tenham
certeza de que o chumbo dos
canhões era abençoado.
Finalmente, não podemos nos calar a
respeito do papel que a Igreja
teve ao apoiar o nazismo, o
fascismo, o extermínio dos judeus, os massacres da
Guerra Espanhola, e do suporte
dado por boa parte do clero cristão a todas as
mais infames ditaduras do
planeta. Sacerdotes católicos abençoaram os
torturadores e os esquadrões da
morte no Chile, na Grécia, no Brasil, no Peru, na
Bolívia, na Argentina, na Indonésia.
E mesmo o papa Woityla mandou cartas
demonstrando apreço e bênçãos a
ditadores sanguinários como Pinochet (que
conheceu pessoalmente durante uma
de suas várias viagens).
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