Insistem todos os teurgos do
passado que a augusta filosofia que serve de base à teoria
e técnica da magia, sendo tão
importante quanto o trabalho prático e uma necessidade radical que deve
preceder esse trabalho, constitui um pré-requisito para qualquer discussão
adicional.
Na verdade, dificilmente
teremos um efetivo entendimento da base racional da magia e
certamente nenhuma compreensão
das complexidades que ocorrem no interior e no exterior da constituição do mago
se o fundamento filosófico não estiver firmemente assentado em sua mente. Se há
perigo na busca da magia, esse perigo só surge quando o operador não dispõe de conhecimento
preciso do que está fazendo. É de uma compreensão inteligente do significado dos
símbolos do oculto e das realidades que eles, em primeiro lugar, visam a
comunicar que a eficácia dos ritos depende muito.
Os símbolos e acessórios da
magia nas mãos profanas de alguém não familiarizado com os fundamentos da arte
indubitavelmente não produziriam os corretos efeitos taumatúrgicos. Contudo, o
mero conhecimento intelectual desses princípios arcanos é de pouca valia se não
houver experiência espiritual. Em contrapartida, a investigação mágica do
universo e sua conseqüente compreensão espiritual na consciência assumem maior
dignidade, e implicação e profundidade mais férteis se apoiadas numa
compreensão teórica.
Em sua recente obra, Os
mistérios do Egito, Lewis Spencer afirmou que o sistema
filosófico da magia reuniu “e
tornou manifestos toda a sabedoria e conhecimento arcano do
mundo antigo, que foram assim
cristalizados e sistematizados de tal maneira que tivessem sido eles
preservados de uma forma não adulterada, teriam certamente poupado épocas
posteriores de muitas catástrofes religiosas e muito falso misticismo. Mas
graças à indolência e negligência de seus preservadores e talvez através das
cínicas influências que lhes eram impingidas de fora, sua primitiva beleza
divina foi gradualmente perdida até, finalmente, restar apenas o esqueleto de
seus rituais e cerimônias”.
Foi nas religiões esotéricas
ortodoxas que alguns dos vários fragmentos esparsos do
esqueleto mágico foram retidos,
em sua maior parte ineficazes e incompreensíveis para a
maioria devido à inescrupulosa
adulteração. Mas a essência da magia, sua “primitiva beleza
divina”, foi preservada por
mãos altruístas e cuidada zelosamente em mentes sublimes, e se
houver muita aplicação, pode
até ser compilada em publicações. Nos trabalhos gnósticos,
inclusive nos escritos
neoplatônicos, nas propositais obscuridades dos alquimistas, em meio à literatura
procedente dos rosacruzes – em tudo isso temos a possibilidade de encontrar
vestígios luminosos da
filosofia e prática dessa magia da luz que, cuidadosamente reunidos
sobre a base sintética suprida
pela Árvore da Vida, formam um sistema sublime e funcional que concede a luz da
compreensão a todos aqueles que queiram contemplá-la.
Os principais ingredientes do
sistema mágico são a Árvore da Vida qabalística, que é a fonte de
referência, e a religião hierática da casta sacerdotal do Egito. Existe, devo
mencionar – deixando a interpretação a critério do leitor – a lenda segundo a
qual a Qabalah foi recebida por Moisés como uma custódia sagrada no
Sinai, que ele a entregou a Josué, o qual a entregou, por sua vez, aos juízes,
e estes ao sinédrio, até que finalmente os Tanaim e rabinos posteriores
se apoderaram dela e a trabalharam. Outras pessoas sustentam com convicção que
se essa pessoa chamada Moisés existiu historicamente e se a Qabalah e
seus corolários se originaram dele, ele a obteve dos sacerdotes egípcios, em
companhia dos quais ele sem dúvida estudou nos templos do Nilo. Poucos países
no mundo, exceto a Índia, talvez, podem se gabar de uma crônica de tradição
mística e mágica tão eloqüente quanto o Egito, que com justiça recebeu o título
de matriz da magia.
Se a Qabalah é ou não
realmente oriunda dos egípcios ou qualquer outro povo é um ponto discutível,
não havendo, apesar da lenda e da especulação extravagante, nenhuma evidência
histórica autêntica nesse sentido. E contudo, a teurgia prática dos egípcios se
harmoniza notavelmente bem com as teorias filosóficas da Qabalah, e a
experiência de uma multidão de magos tende a nos fazer crer que dificilmente
poderia haver uma combinação mais adequada ou mais satisfatória.
Conseqüentemente,
apresentaremos aqui uma exposição dos princípios subjacentes do
universo tais como concebidos
pelos magos e um estudo daquilo que forma necessariamente a
base de todo o trabalho
prático. Essa concepção do universo será resumidamente enunciada nos termos
filosóficos da
Qabalah, e entremeada em torno da estrutura central da Árvore
da Vida. “Quem penetra no
santuário da cabala é tomado de
admiração à vista de um dogma tão lógico, tão simples e ao
mesmo tempo tão absoluto. A
união necessária das idéias e dos signos, a consagração das
realidades mais fundamentais
pelos caracteres primitivos, a trindade das palavras, letras e
números; uma filosofia singela
como o alfabeto, profunda e infinita como o Verbo; teoremas mais completos e
luminosos que os de Pitágoras; uma teologia que se condensa contando pelos dedos;
um infinito que pode caber na palma da mão de uma criança; dez algarismos e
vinte e duas letras, um triângulo, um quadrado e um círculo: aqui está a
totalidade dos elementos da cabala. São os princípios básicos do Verbo escrito,
reflexo desse Verbo discursante que criou o mundo!” – Assim pensava Lévi, e na
verdade é preciso concordar sinceramente com ele, pois o admirável fundamento
da Qabalah é uma simples estrutura matemática de símbolos, números e
nomes, que emprega dez números e as letras do alfabeto dos anjos, como
foi denominado o alfabeto hebraico. A matemática sempre foi considerada uma
ciência divina pelos discípulos da filosofia esotérica, particularmente entre
os pitagóricos, prefigurando, como o faz por meio do número os processos
criativos tanto do universo quanto do desenvolvimento do ser humano. Diversos
magos sustentaram que foi pelas idéias expressas no número que a natureza foi
concebida no seio do espaço infinito. Dessas idéias universais brotaram os elementos
primordiais, os imensos ciclos do tempo, os corpos cósmicos e toda a gama de transformações
celestes.
Como os números eram os meios
ou os símbolos pelos quais o significado das idéias
universais abstratas podia ser
compreendido, ao longo do tempo acabaram sendo substituídos pelas próprias
idéias. Os filósofos do número eram ensinados no início de seus estudos a pensar
em crescimento e desenvolvimento em termos do número, a considerar as realidades
cósmicas em seus estados progressivos como a seqüência da progressão numérica.
Os números se tornaram
identificados com esses vários estados. Conseqüentemente, na filosofia mágica
aludir ao zero, por exemplo, significa sugerir em primeiro lugar a essência
imanifesta do universo antes mesmo do nascimento das palavras, o ilimitado e a
imutabilidade do espaço infinito no qual não há nem estrelas nem sóis, nem
planetas nem homens. O círculo, um zero (0) na sua forma, era assim considerado
como sendo uma representação adequada daquela realidade primordial que
proporcionara existência a todas as coisas vivas e seres vivos em toda a
vastidão do espaço. O ponto, metafísico e espiritual, que aparece num acordo
estrito com a lei cíclica, era representado por um traço ou uma linha
estendendo-se do alto à base do círculo, uma figura ereta do um. O próprio
número passou então a indicar o processo de germinação dos mundos. Cada número,
em virtude do processo evolutivo ao qual originalmente se aplicava, consequentemente
significava o próprio processo. Por conseguinte temos a base racional das figuras
geométricas, dos selos e dos símbolos empregados nas cerimônias mágicas.
À medida que a filosofia da Qabalah
for revelada, o leitor perceberá quais são as implicações fundamentais na
raiz dos signos e símbolos usados pela teurgia. E será percebido claramente que
não se trata mais de signos arbitrários de conotação dúbia, mas sim de
realidades rigorosas investidas de uma augusta verdade. Devo pedir insistentemente
ao aprendiz, entretanto, que seja paciente comigo por enquanto neste e nos
capítulos subseqüentes, visto que estou lidando com um assunto sumamente
complexo e difícil. Não importa quão bem se apresenta uma simplificação para o
estudo geral, ela sempre exigirá uma detida atenção e muita aplicação.
Acima de tudo a filosofia da Qabalah
é uma filosofia da evolução. O universo, com
todos seus planetas, mundos e
seres independentes, foi concebido como a emanação de um
princípio-substância primordial
que alguns chamaram de Deus, de Absoluto, de Infinito, de
Todo e assim por diante. Na Qabalah,
esse princípio, que é a Realidade Única, é chamado de Ain Soph, o
Infinito. O Sepher haZohar, talvez o mais importante dos textos qabalísticos,
o concebe imutável, incognoscível para a mente, ilimitado, imanifesto e
absoluto. Além de toda compreensão intelectual em Si, visto que jamais poderia
ser abarcado por uma mente que é apenas um segmento de Sua toda-inclusividade,
afirma-se ser Ele Ain – nada. Visto que ultrapassa efetivamente toda
compreensão finita, sendo suas vastidões imutáveis e ilimitadas para a mente
humana, cuja especulação mais profunda seria incapaz de aproximar-se do mais vago
esboço do que Ele é em Si, forçoso é que permaneça sempre um vazio misterioso –
nada, nenhuma coisa. Nesse sentido, a concepção gráfica dos antigos
egípcios mostra-se bastante expressiva, bem como pitoresca. O céu, ou espaço
anterior a toda manifestação, era concebido como o corpo nu da deusa Nuit, a
rainha do espaço infinito, de seus seios brotando o leite das estrelas, as
águas primordiais da substância.
Tudo o que pode ser dito de
verdadeiro dessa Realidade Absoluta e Suprema é que
ELA É. Isto tem que bastar.
Onipresente, eterno e auto-existente – essas são idéias que
transcendem mesmo os mais
sublimes vôos da imaginação treinada, abstrações além da
apreensão das mentes mortais.
Um dos símbolos dessa potencialidade do Ain durante um
período de repouso é um
círculo, significando que tudo tendo sido recolhido à homogeneidade, o
movimento retorna perpetuamente para si mesmo, como no glifo a cauda da
serpente se recolhe e é tragada pela cabeça. O círculo só é interrompido, por
assim dizer, pela lei da periodicidade. Essa lei, que a tudo afeta e que é
inerente à própria natureza das coisas, governa o constante fluxo e refluxo,
aparecimento e desaparecimento dos mundos. A potencialidade do Ain Soph é
apenas refletida mediante a emanação de si mesmo do alento de criatividade, com
o começo de um ciclo quando a Vida Una é polarizada no espírito e matéria. A
ruptura do círculo de movimento incessante é realizada por uma contração de sua
Luz Infinita, por uma colocação de um ponto minúsculo de refulgência cintilante
nos confins do espaço. Como foi efetivada essa concentração de luz num centro
cósmico, qual sua obscura origem, somos incapazes de dizê-lo. Há explicações
confusas quanto à Vontade do Ain Soph ou à lei dos ciclos, mas elas
realmente não nos conduzem a uma satisfatória compreensão inteligente.
Num caso, é inteiramente
impossível conceber uma condição espiritual tão infinita e tão abstrata como o Ain
Soph possuindo uma Vontade que possa ser posta em operação, tanto quanto possuindo
uma mente ou um corpo. Segundo a tradição filosófica, Ain Soph não é nem
Espírito nem Vontade, mas sim a causa subjacente de ambos; não é força ou
matéria, mas aquilo que serve de base a elas, sua causa última. No segundo
caso, o postulado da lei cíclica que pretende dar conta do aparecimento do centro
de luz trata de algo independente do Ain Soph ou que impõe necessidade
sobre ele. Se a lei cíclica é identificada com o Absoluto, o postulado se torna
idêntico à Vontade de manifestação. Em qualquer dos casos, desde que
concordemos no domínio da teurgia que a razão não pode ser o árbitro final no
que diz respeito a isso e questões metafísicas similares, a tradição filosófica
será simplesmente aceita como afirmação árida, sem a pretensão de esforçar-se
para suprir explicações racionais para um centro cósmico de esplendor surgido
no espaço.
Esse centro metafísico cósmico
é chamado de Kether, a coroa, e é a primeira manifestação do
Desconhecido, uma concentração de sua luz infinita. Kether é, também,
num certo sentido desconhecido, o Zohar o chamando de o Oculto. Blavatsky o
considera como o
primeiro Logos,
imanifesto, pois a partir dele tanto o espírito quanto a raiz da matéria
cósmica ainda nascerão. Seu número é um, pois o ponto no círculo
alongado e traçado como um traço reto é esse número.
Como a coroa que está acima do
sistema de emanação, como o ápice da Árvore da
Vida que tem sua raízes nos
céus, descendo em desenvolvimento rumo à terra, Kether é o
sentido mais profundo da
egocidade, constituindo o substrato da consciência humana e a raiz última da
substância. Esse ponto central, sensível e espiritual, este centro metafísico
ou mônada metafísica de consciência, preenche essas duas exigências, existindo
como a real individualidade e a divisão última da matéria. Da mônada brota a
dualidade, dois princípios distintos de atividade permanentes através de um
período inteiro de manifestação, co-existente e co-eterno.
Trata-se da consciência e da
base substantiva metafísica sobre a qual a consciência sempre atua, substância
da raiz cósmica. Um é chamado de Chocmah – sabedoria, e ao outro
atribui- se o título de Binah – compreensão. Com o intuito de tornar
coisas abstratas um pouco maiscompreensíveis às mentes que se esforçavam para
instruir nessa metafísica, uma das características dos filósofos cabalistas era
explicar, na medida do possível, seus complexos e difíceis teoremas em termos
de conduta humana, atividade humana e emoção humana. Assim notamos que é dado o
título de Pai a Chocmah e de Mãe a Binah.
Todas as Sephiroth, como
são chamadas essas emanações, abaixo daquela que é chamada de Coroa, recebem
atribuições masculinas e femininas, e a atividade entre Sephiroth masculinas
e femininas em reconciliação é um “filho”, por assim dizer; uma Sephirah neutra
atuando em equilíbrio.
Assim, a Árvore da Vida,
compreendendo essas dez emanações, se desenvolve a partir da mais elevada
abstração até o mais concreto material em várias tríades de potências e forças
espirituais. Masculino,
feminino e criança; positivo, negativo e sua resultante mescla num
terceiro fator reconciliador.
Esses dois princípios ou Sephiroth,
ao serem intitulados o Pai e a Mãe, são também
atribuídos a letras do chamado
Tetragrammaton, do qual as quatro letras são YHVH.
Relativamente a essa doutrina
do Tetragrammaton, devo lembrar o leitor que as atribuições
desse nome e os modos de
emprego exegético são sumamente importantes, e quanto mais clara e precisa for
a compreensão desses, mais claro e preciso será o discernimento das fórmulas práticas
de magia a serem consideradas posteriormente. O Pai recebe a letra “Y” desse
nome e oprimeiro “H” é atribuído à Mãe. Da união de Y e de H flui o resto de
todas as coisascriadas. Em outras palavras, da consciência e seu veículo todas
as coisas são formadas, e todo ser concebível, deus ou homem, divino ou animal,
tem sua base no Y e no H do nome divino. Deve-se mencionar, de passagem, que a
postura adotada pelo que é conhecido como Ciência Cristã ao nega a existência
da matéria não é ratificado pela filosofia dos teurgos. É verdade que esta
última afirma que o mundo físico é uma ilusão, a saber, no sentido de que suas
formas externas estão em constante mutação, que se encontra num estado de fluxo
perpétuo. Desse ponto de vista, quando observado “de cima”, acredita-se ser o
universo uma ilusão. Mas sua existência está fundada numa realidade, a
substância-raiz de Binah, distinta e separada do aspecto consciência de Chocmah.
Nesse ponto apenas, deixando de lado várias outras brechas para discussão,
a magia não tem qualquer interesse pela Ciência Cristã ou algo em comum com
ela. Tanto o espírito quanto a matéria são reais, quer dizer, reais durante um período
de manifestação; em si mesmos são apenas modos passageiros da atividade, por
assim dizer, do Ain Soph.
Expandindo através da
totalidade do espaço, usando Binah como um veículo imediato,
as energias de Chocmah dão
origem às sete emanações restantes que resultam no aparecimento do mundo físico
tangível. Em Chocmah, o plano de mundo ideal ou imaginativo pelo Logos
que está em Kether, as idéias sobre as quais o “mundo que virá a
ser” se baseará.
No Livro dos Mortos do
Antigo Egito, o deus Tahuti ou Thoth*, a divindade atribuída a
Chocmah, visto que as características essenciais de ambos são
idênticas, é ali concebido como tendo sido a “língua” do criador Ptah, e ele
sempre proclamou a Vontade do grande Deus, falando as palavras que ordenavam a
todo ser e toda coisa no céu que adentrasse a existência.
Sir E. A. Wallis Budge, o eminente egiptologista, observa
no folheto informativo do Museu
Britânico que trata de O
Livro dos Mortos que “Thoth concebeu as leis pelas quais o céu, a
Terra e todos os corpos
celestes são mantidos; ele ordenou os cursos do sol, da lua e das
estrelas”. Isso está em
harmonia total com a natureza de Chocmah, a ideação ou imaginação
do cosmos, em que todas
as coisas foram primeiramente concebidas e então realizadas e
tornadas manifestas em
substância.
A Mãe de todas as formas, esta
é Binah, a terceira Sephirah. De acordo com o
grande qabalista do
século XVI, rabi Moisés Cordovero, esse número é a raiz das coisas.
Substância-raiz cósmica e
energia primordial são as expressões usadas por Blavatsky para
designar essa manifestação
particular, chamada na Qabalah de Grande Mar.
O formato das letras da palavra
hebraica para mar é um glifo eloqüentemente indicativo da elevação e expansão
das ondas no seio das águas. Os antigos simbolizaram muito sabiamente com o mar
a substância virgem intocada espalhada espaço afora, pois a água é plástica, de
forma sempre cambiante, e assume a forma de qualquer recipiente em que é
despejada.
O mar é um símbolo sumamente
adequado dessa substância plástica a partir da qual todas as formas devem ser
compostas e representa uma energia ininterrupta, a despeito de ser passiva.
Diz-se que a cor de Binah é o preto, visto que o preto absorve todas as
outras cores tal como todas as formas materiais após inumeráveis transformações
e mutações retornam à substância-raiz e por ela volta a ser absorvidas. Essas
três emanações são únicas de uma maneira especial. A Coroa, com seus dois derivados,
o Pai e a Mãe, é concebida como Sephiroth suprema, não tendo relação com
as emanações que dela procedem. No diagrama da Árvore da Vida, as supremas são
vistas como existindo além do Abismo, aquela grande voragem fixada entre o
ideal e o real, separando-as das emanações que são as inferiores, o acima do
que está abaixo. Tal como as ondas se alçam e afundam abaixo do nível
normal das águas sem produzir qualquer efeito duradouro nas próprias águas,
assim é considerada a relação do universo real com as Sephiroth supremas,
pois elas repousam num plano completamente afastado de qualquer coisa que
possamos compreender intelectualmente. É somente com o aparecimento da quarta
emanação que temos algo que é realmente cognoscível pela mente humana.
Por essa razão, há um segundo
método de numeração que se soma àquele que já
apresentamos. As Sephiroth supremas
são consideradas inteiramente independentes das
inferiores, e enquanto estas
são geradas a partir de sua própria essência divina e no seu interior, o ser
das supremas não é de maneira nenhuma afetado. Como a luz brilha na escuridão e
ilumina sem sofrer diminuição de sua própria existência, do mesmo modo as obras
das supremas transbordam de seu ser central sem com isso diminuir em grau algum
a realidade de sua fonte. Conseqüentemente, elas existem sozinhas além do
Abismo, embora através do espaço seja difundida sua essência, sua numeração se
completando em Três.
Começando com as inferiores
abaixo do Abismo, o plano da existência finita condicionada, a numeração começa
mais uma vez com o número Um. Assim, cada Sephirah, nesse sentido,
possui dois números, indicando um distinto desenvolvimento duplo da corrente de
vida. Chesed é tanto o número Quatro quanto o número Um, porquanto é a
primeira Sephirah no plano da causalidade abaixo do abismo.
Júpiter, como o pai dos deuses,
é às vezes atribuído a Kether no alfabeto mágico. Mas também pertence a Chesed
de uma outra maneira, visto que Chesed num plano inferior é
o reflexo da Coroa. A numeração
direta é conservada para evitar a confusão de duas séries
numéricas, continuando de um a
dez sem interrupção. É apenas mencionada porque este fato por si só pode
explicar os fragmentos isolados do sistema de numeração pitagórico que,
quando aplicado à Árvore da
Vida sem lembrar-se da dupla numeração, pode levar à imensa
confusão.
Da primeira tríade, então, uma
segunda tríade de emanações é refletida ou projetada
abaixo do Abismo. Estas, do
mesmo modo, são compostas de uma potência masculina e
feminina com uma terceira Sephirah
produzida em reconciliação direta de maneira a harmonizar e equilibrar seus
poderes. A quarta é chamada tanto de Chesed, que significa graça, quanto
Gedulah, que significa grandeza, tendo os antigos filósofos lhe
designado a qualidade astrológica denominada Júpiter. Quatro é um número que
significa sistema e ordem, qualidades atribuídas pela tradição astrológica ao
planeta Júpiter. Segundo certas autoridades, esse é o primeiro número a mostrar
a natureza da solidez, e como vimos acima que Chesed é a primeira Sephirah
abaixo do Abismo, e é a primeira das Sephiroth “reais”, essas
observações são justificadas. A Sephirah masculina Chesed simboliza
as potencialidades da natureza objetivizada, e através da confirmação da atribuição
astrológica, incluindo a figura mitológica da divindade tutelar com esse nome,
os pitagóricos chamavam o Quatro de “o maior prodígio, um deus segundo uma
maneira diferente da tríade”. A quinta Sephirah é Geburah, poder,
e apesar de ser uma emanação de qualidade feminina, sua natureza se afigura
sumamente masculina. Alguns antigos afirmavam que o cinco era um símbolo do
poder criativo e que nesse conceito de criatividade e poder se achava o caráter
de Geburah. É uma força formativa, como o seu nome Poder e a atribuição
planetária a Marte sugeririam, pela qual o plano formulado na imaginação
cósmica e projetado como uma imagem na substância-raiz abaixo do Abismo em Chesed
é impulsionado celeremente à atividade e manifestação. O cinco é composto
de três e dois, o primeiro representando a energia passiva da Mãe e o segundo,
a sabedoria do Pai. Não expressa tanto um estado de coisas mas um ato, uma
passagem ulterior e uma transição da idealidade para a realidade.
Seis é a Sephirah desenvolvida
para proporcionar harmonia e equilíbrio às forças
anteriores, e seu nome é Tiphareth,
uma palavra hebraica que significa beleza e harmonia. O número é um símbolo de
tudo que é equilibrado, harmonioso e de boa proporção, e como é o dobro de
três, reflete novamente as idéias variadas representadas por esse número.
Considerando-se, portanto, que
o três representa os reais poderes motivadores da evolução, o Macroprosopus ou
o Logos, da mesma maneira em Tiphareth encontramos uma reflexão
devida e uniforme num Logos menor,
o Microprosopus. A essa Sephirah os qabalistas
atribuíram o sol, o senhor e
centro do Sistema Solar. Ao consultar o diagrama da Árvore da
Vida, o leitor pode perceber
que Tiphareth ocupa uma posição destacada no centro da
estrutura da Árvore da Vida
como um todo. Os filósofos pitagóricos asseveraram que seis era o símbolo da
alma, e mais tarde descobriremos que no ser humano Tiphareth, a
harmoniosa emanação do sol é a Sephirah da alma do homem, o centro do
sistema microcósmico e a luminosa intermediária entre o Espírito meditativo
acima e o corpo com os instintos abaixo.
Os doutores do Zohar da divina
filosofia atribuíam a terceira letra “V” do nome divino a
Tiphareth, e visto que a Tiphareth é o filho do Pai e da
Mãe Celestiais, é chamada de Filho.
O selo de Salomão, os
triângulos entrelaçados, um verdadeiro símbolo de equilíbrio, é o
símbolo apropriado.
Os processos de reflexão
continuam, e a segunda tríade composta dos números quatro,
cinco e seis – embora tenham
sido eles mesmos projetados pelas Sephiroth supremas –, por
sua vez, gera uma terceira
tríade reproduzindo a si mesma num plano ainda mais inferior. A
primeira dessas Sephiroth é
masculina – Netzach, que significa triunfo ou vitória. Concebe-se que o
sete é um número inteiro que representa uma consumação das coisas, a conclusão
de um ciclo e seu retorno para si mesmo. Assim, na sétima Sephirah,
começando uma nova tríade e concluindo a segunda série de Sephiroth, são
resumidas novamente todas as potências anteriores. Sua natureza é a do amor e
da força de atração; o poder de coesão no universo, unindo uma coisa à outra e
atuando como a inteligência instintiva entre as criaturas vivas.
O planeta Vênus, emblema do
amor e da emoção, é atribuído pelos filósofos da magia a essa Sephirah;
da mesma maneira, a cor verde, tradicionalmente pertencente a Afrodite, como as
forças pertencentes a essa Sephirah estão peculiarmente ligadas ao
cultivo, à colheita e à agricultura. Em oposição a Netzach como segunda Sephirah
da terceira tríade está Hod, esplendor ou glória, que é uma
qualidade feminina repetindo as características de Chocmah num plano
menos exaltado e sublime. Representa essencialmente uma qualidade mercurial das
coisas – sempre fluindo, em metamorfose constante e fluxo contínuo, tendo sido
denominada, acredito, “mudança na estabilidade”. Com ela, detentora de natureza
bastante similar, esta a nona Sephirah, Yesod, o fundamento, que
é “estabilidade em mudança”.
Tal como a tremenda velocidade
das partículas eletrônicas assegura a estabilidade do átomo, do mesmo modo as
formas fugazes e o movimento de Yesod constituem a permanência e a
segurança do mundo físico. É a nona Sephirah e por conseguinte o nono
dígito, compreendendo em si todos os números precedentes. Comumente chamada de
plano astral ou alma do mundo, Yesod é aquele fundamento de sutil
substância eletromagnética no qual todas as forças mais elevadas estão focalizadas,
constituindo a base ou o modelo final sobre o qual o mundo físico é construído.
Yesod tem natureza lunar, a lua sendo o luminar atribuído
visto haver uma curiosa relação entre o satélite morto da Terra e a luz astral.
Yesod completa as três tríades, cujo apêndice é
Malkuth, a décima e última Sephirah, que representa em
forma concreta, numa completa
cristalização visível e
tangível aos sentidos, todas as qualidades dos planos precedentes.
A própria palavra significa reino,
o reino do mundo físico e o cenário das atividades e
encarnações das almas exiladas
de cima, a morada do Espírito Santo. No Zohar é dada a letra “H” do nome divino
a Malkuth, que é chamada de Filha, sendo o reflexo mundano do
primeiro “H”, que é a Mãe. Essa
décima Sephirah é chamada alhures de Noiva, de Filha e de Virgem do
Mundo.
Reconhecidamente, esse esboço
acima oferece somente uma vista resumida e geral do
sistema numérico de evolução e
desenvolvimento cósmico que tanto fez jus ao respeito de Lévi e dele teve uma
admiração tão grande e extremada. Nesse esboço elementar será possível perceber
claramente que os números se vinculam a processos criativos ou evolutivos, e
que fundamentalmente compreendida, a natureza do número é o ritmo. Essa última
afirmação é importante, já que proporções e atividades harmoniosas realmente
conduzem e marcam as primeiras manifestações da Vida Una nos elementos e substâncias
diversas presentes em toda parte. Essas diferenciações são corretamente
simbolizadas pelo número, que se concebe como sendo glifo precisamente dos
processos de revelação. Representam o desenvolvimento de um universo tangível
explícito a partir de uma essência intangível implícita; de uma concepção ideal
à consumação da forma construída na qual o ideal encontra sua morada terrestre.
Assim, para o teurgo, os números simbolizam o próprio ritmo do universo, e com
seus signos apropriados eles representam poderes e entidades com os quais o
teurgo procura comungar.
Há um outro aspecto da Árvore
da Vida que eu gostaria de abordar. Diz respeito ao
que é chamado de Quatro Mundos.
Esses mundos são regiões metafísicas tanto de consciência quanto de matéria,
pois a teurgia sustenta que cada estado de consciência possui seu próprio veículo,
um estágio apropriado de substância. Esses mundos podem ser encarados sob dois pontos
distintos de análise, sendo que o primeiro coloca uma Árvore em cada um dos
quatro mundos, oferecendo-nos assim quarenta Sephiroth no total. Os
quatro mundos são chamados de Mundo Arquetípico, no qual os arquétipos ou
emanações primordiais são desenvolvidos sob a forma de uma Árvore da Vida.
Pode-se
imaginar também essa Árvore da Vida arquetípica representando uma forma humana
que, no Livro dos Esplendores, é chamada de Adam Kadmon, o Homem
Celestial, que contém em seu interior todas as almas, espíritos e inteligências
em toda parte do cosmos. É a Alma Universal, mãe e progenitora divina de todas
as outras. Essa Alma é o Homem Divino sobre o qual Lévi fala e ao qual nos
referimos anteriormente; essa Alma de cuja grande vida cada ser individual e
consciência independente participam. Os esdobramentos que emergem desse
postulado simples e as idéias sugestivas que ele suscita são demasiado
numerosos para deles tratarmos nesta oportunidade.
Minha intenção primeira foi
apresentar apenas um breve resumo da filosofia mágica kabalística, deixando ao
leitor a tarefa de preencher por si mesmo muitas lacunas que foram deixadas em
aberto.
A totalidade das Sephiroth em
Olam Atsiluth, o mundo arquetípico, ocupa o plano
mais elevado de consciência
espiritual, o primeiro surgir de consciência do Ain Soph. À medida que
os processos de evolução continuam, Adam Kadmon gradualmente projeta a
si mesmo ainda mais na matéria um tanto mais densa, sua unidade sendo
aparentemente fragmentada, espelhada em muitas facetas e formando o Mundo
Criativo, Olam Briah. Nesse mundo, o plano contido na imaginação
criativa do Macroprosopus é ainda mais elaborado, as centelhas ou idéias
separadas sendo revestidas daquela condição de substância sutil apropriada
àquela esfera. Aqui, também, uma completa Árvore da Vida é desenvolvida através
da reflexão.
Do mundo criativo, a Árvore é
projetada para um terceiro plano, o Mundo Formativo, Olam
Yetsirah, onde as idéias imaginativas do Logos, as centelhas
monádicas espirituais já revestidas na substância mental sutil do mundo
criativo se modelam em entidades consistentes definidas, os modelos astrais que
dão origem ou servem de fundamentos estáveis ao mundo físico. O mundo físico, Olam
Assiah, é o quarto e último plano, e como projeção cristalizada do mundo formativo
é a síntese e concreta representação de todos os mundos mais elevados.